segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Ensaio sobre o ''ensaio''


Um filme bom. Foi o que pensei, assim que subia os créditos do tão esperado ''Ensaio sobre a cegueira'', dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles, com o roteiro de Don McKellar, baseado no livro, ganhador do prêmio Nobel, do português José Saramago.

Quem assistiu ao filme ''Crash: No limite'' (Crash, 2004), escrito e dirigido por Paul Haggis, deve ter notado uma certa semelhança. A questão do caos humano, que obriga as pessoas a viver no seu limite, como o próprio título sugere. O fato de diferentes raças e modos de vida, que passam pela obrigação de conviver para a sobreviver, é abordado em ambos , mantidas as devidas proporções, é claro.

Em primeiríssimo lugar, quero deixar claro que não achei o filme ruim, mas a intensidade emotiva não chega nem perto da transmitida pelo livro. Ok, como muita gente falou, e eu mesma concordei: é impossível transformar 310 páginas em duas horas de filme. Mas faltou a essência. Isso pode ter sido causado pela ausência da narrativa, e não refiro-me às palavras que podem ser substituídas por imagens. Ao contrário, faltaram aquelas que, com a ajuda das imagens, poderiam ter completado uma idéia genial, transmitindo o que não se consegue explicar, apenas sentir.
Ao cortar algumas narrativas, foi excluído também o ato questionador, que obriga o expectador a refletir. Em alguns momentos, a película não conseguiu a proeza do livro, e poupou as pessoas ao exercício de refletir sobre a existência humana. Muitas partes, algumas essenciais, mais tocantes do livro, não estão no filme, e isso fez falta. Como a descrição totalmente coerente da intensidade que o ser humano possui em ir da raiva às lágrimas, de chorar por desespero, o pior tipo de tristeza que há, de sentir pena de sí mesmo, de chorar de felicidade, de chorar de cansaço, de chorar de ódio, de chorar de pena. E que tudo depende do momento.

A maioria das atuações corresponde às expectativas. Exceto, logo no início do filme, a maneira como o primeiro contaminado (interpretado por Yusuke Iseya) reage à cegueira, ou até mesmo em alguns momentos, quando olhava direto para os olhos das pessoas, deixa a desejar.
Julianne Moore desempenha bem o papel da única destinada a ver as barbáries cometidas pelo bicho homem, e carregar o fardo de ser a bengala dos privilegiados de não de ver a miséria humana mostrar-se da pior forma. Imaginava- a, pelo livro, com um jeito mais sensível, uma mulher que demostra fragilidade, mas busca uma força interior incrível. Em alguns momentos a personagem de Julianne parece agir de uma maneira muito prática, e não corajosa. Fatos simples, mas essenciais para a sobrevivência dos cegos, foram descritos superficialmente (ou não de uma maneira tão profunda quanto a feita no livro), não há uma exploração maior na intensidade das emoções.

O debate trazido pelo escritor, da pessoa adaptar- se conforme o meio no qual está inserida foi bem colocado, as mudanças que ocorrem no comportamento do ser humano de acordo com o surgimento de suas necessidades. Atitudes, antes condenadas, tornam- se necessárias quando o momento é de total desespero, ceder aos instintos humanos (trair, roubar, mentir, manipular, até matar), negar ajuda para uns em benefício de outros, e o principal: o egoísmo característico de qualquer pessoa: ficar realmente feliz com a felicidade alheia, somente por saber que será a sua também.

A trilha sonora, feita por Marco Antônio Guimarães, é muito adequada ao filme, transmite com precisão e intensidade cada emoção e momento vivenciado pelas personagens. A direção de Meirelles é simplesmente IMPECÁVEL. Todas as cenas descritas, maneiras ou hábitos são bem abordados pelo diretor. A forma como ele utilizou o simbolismo das cores e formas: o branco, o desfocado, conseguindo transferir para quem assite ao filme a mesma sensação das pessoas fictícias, que vivem a situação. Aliás, uma semelhança muito pertinente com o livro de Saramago foi a forma indireta de passar e expectador (e leitor) que dentro de todo esse mundo de símbolos e sinais, nós somos um pouco de cada cego, descritos ao longo da trama.

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