terça-feira, 1 de março de 2016

Spotlight: O papel do jornalismo é ser anônimo

Quando acabou eu não consegui conter as lágrimas. As mesmas brotavam junto com um sentimento de total impotência perante ao mercantilismo que impera nas redações. Dois jornalistas, interpretados por Michael Keaton e Mark Rufalo, se abraçam mentalmente através de olhares orgulhosos provando que o jornalismo utópico existe.
O ganhador de melhor filme do Oscar 2016 Spotlight (Segredos Revelados) retrata a árdua investigação dos repórteres do jornal Boston Globe sobre um escândalo de padres pedófilos e cumpre muito bem o papel que o nosso explorado ofício já aposentou junto com as máquinas de escrever. O longa, que também venceu nas categorias melhor filme e melhor elenco do Critics Choice Awards 2016 é muito mais que uma produção bem feita, com um roteiro rico e ótimas interpretações: ele mostra que a profissão de contar histórias e fazer a diferença existe.
Qualquer um que assista pode considerar um ótimo trabalho, mas para quem já esteve em uma redação e teve o sonho de mudar o mundo com o seu trabalho é algo tocante. O envolvimento com a notícia, se identificar onde estão os fatos, o comprometimento em recontar o que precisa ser revelado, sem dar gancho para audiência ou patrocínio, mas porque é o que se jura perante todos.
O tocante envolvimento da equipe, a parceria (de verdade e quase ficção nas redações atuais) que existe entre os colegas para ser feito o melhor trabalho, a árdua pesquisa através de documentos, personagens, o empenho em convencer que uma tragédia pode ser a chance para muitas pessoas, a difícil tarefa em reconhecer que uma pauta que caiu no colo não mereceu a devida atenção. E o principal: tudo baseado em uma história real.
Quantas vezes tivemos que lidar com chefes preguiçosos, sem interesse ou que simplesmente não entendem nada do que fazem? Tudo começa quando Marty Baron, interpretado por Liev Schreiber, chega  para comandar o jornal de Boston e chama atenção para crimes cometidos pela igreja católica que passaram batidos na cidade. O caso fica para os repórteres especiais “Spotlight”, chefiados por Walter Robinson (eterno Birdman, Michael Keaton), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams), Mike Rezendes (Mark Ruffalo) e Matt Carroll (Brian d'Arcy James) precisam lidar com a realidade e com as próprias emoções, a velha história de se envolver com a história, quem nunca sentiu isso não sabe o que é viver.  E a melhor remuneração de todas: mais de mil vítimas testemunharam após a publicação da matéria e o escândalo de pedofilia apontou novos nomes e membros da igreja em vários países.
Este filme retrata, como há muito não se via, o papel social do jornalismo.  Podemos classificá-lo como uma espécie de “Todos os homens do presidente” mais atual e contra um sistema mais poderoso que políticos (que é quase o mesmo: a igreja).

Com certeza o jornalismo não morreu e o bom profissional não é o que tira fotos e vira celebridade, mas o que salva vidas, seja da maneira que for.  Para os sonhadores resta chorar no final, com o sentimento misto de frustração e de felicidade em saber que em algum lugar do mundo a notícia ainda é tratada com seriedade e relevância. E está acima de qualquer interesse comercial ou econômico.

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